segunda-feira, 5 de setembro de 2011

UM OUTRO AMIGO



Meu amigo encontrou um outro amigo
Encontrou Deus
Desde então não para de contar recebidas bençãos
Ouço, pondero, ouço outra benção, uma atrás da outra

Deveria ficar alegre, mas entro para dentro de um quarto vazio e sem nada
A cada milagre, a cada palavra, tudo isso me fere, e não é Deus não é nada
É que meu amigo encontrou um outro amigo
Se tornou amigo das palavras

“Deus fez isso…Deus fez aquilo…Deus está fazendo aquilo outro…”
Ouço, pondero… Será que ele vai perceber? Parece que não
Cabisbaixo e com o olhar atento, sereno, respiração cadenciada e profunda
Permaneço ouvindo

E ele me recomenda, me instrui que o conheça também
Ouço, pondero, quase me desespero em quietude e calma
Será que ele vai perceber? Estou perdendo a alma…
Será que devo dizer? Não, meu amigo se tornou amigo das coisas eternas

Jamais ouviria um humano, aliás, o tempo todo estou falando
Mas ele não consegue me ouvir
É que meu amigo encontrou um outro amigo
Saiu daqui

“Recebi isso…recebi aquilo…”, mais uma vez ouço, me erro
Ateu, eu? Não, somente néscio. Perdido entre ventos e poeiras
Doído de um amor derramado, fracassado
Doído, suspirante, desistente, no fim, começo de uma nova…

Mas meu amigo encontrou um outro amigo
Desde então não consigo ouví-lo
Ele está cheio de Deus e vazio de si mesmo
Renunciou a vida e desapareceu

As vezes tento dizer palavras
Mas mais do que isso elas estão escritas em mim
Mas meu amigo encontrou um outro amigo
Desde então me acento sozinho quando me acento com ele

É que já disse, meu amigo encontrou outro amigo
Alguém aí me ouve? Me entende?

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

SE O FOSSE...



Não sou poeta. E se o fosse seria um que não descobriu a alegria. Nem mesmo se aprofundou na angústia. Seria um poeta medíocre. Escreveria poemas sem sorriso no rosto, aliás, mesmo não sendo nunca escrevi algo com sorriso nos lábios. Mas seria o poeta da tristeza, da arte. Do poema interminável, da angústia real mas muito mais da fantasiada. Seria o poeta do desastre, da amargura e do rancor. Não! Não incentivaria a nenhuma dessas, mas seria esse o eu poeta, o poeta eu. Seria o poeta que entrou mas que pede a Deus para que lhe ensine a sair. Que nasceu e não sabe como morrer. Seria o poeta das pedras nas mãos, "quem não tem pecado atire a primeira". Atiraria-as todas sobre mim. Seria o poeta da desesperança, sofreria a doença de nãonenxergar um palmo à frente de seu nariz. Seria um poeta morto. Seria um poeta das palavras, não levaria a sério nenhuma delas. Teria as obras como chacotas, chacotas a mim mesmo. Seria apenas das palavras. Contudo, não seria poeta do ódio. Seria o poeta do amor, porém não da paixão. A paixão é jovem, sedutora, sorridente, mas também nervosa, incontrolável, não pacífica. Não seria apaixonado, mas amável. Seria o poeta da paciência, do sofrimento diante do detrimento sofrido por cada pessoa. Seria o poeta da paz, nem guerra nem brigas, "brigar para quê se é sem querer?". Seria poeta da mansidão, da calma, da confiança. Seria o poeta do domínio próprio, sem insultos para com o próximo, nem deferimentos torpes que humilhem um ser tão pequeno como eu mesmo, nada de irritações descontroladas, nem vontade de se livrar das excitações traumáticas desencadeadas por um outro. Seria o poeta da cura, confiaria apenas em Deus como fonte, como ponte que leva para longe de toda essa loucura… Seria esse poeta dos livros fracassados, das páginas esquecidas, do esquecimento de si mesmo nas mãos de quem nem sequer creram. Seria o poeta em direção da Cruz, da coroa de espinhos, das três negações, das trinta moedas de prata, da fuga mais descomedida. Seria esse poeta, inteiro e sem nada.

MEU AMIGO, ALGUMA COISA ESTÁ MUDANDO

Alguma coisa está mudando meu amigo E não sei bem o que é Mas se lembra quando tudo apenas se repetia Então mudanças já são boas...